Aos 30 anos, Rithiele Souza está prestes a realizar um sonho que parecia improvável para uma menina da periferia com deficiência física: receber o diploma de médica pela Universidade de Brasília. A jornada, marcada por privações, preconceitos e superações, ganhou visibilidade após um vídeo emocionante em que ela entrega o convite de formatura à mãe viralizar nas redes sociais.
Moradora de Sobradinho, no Distrito Federal, Rithiele enfrentou obstáculos desde a infância. Interrompeu os estudos aos 12 anos para cuidar da irmã mais nova, enquanto a mãe trabalhava em uma padaria. Durante a adolescência, enfrentou a depressão em silêncio, sem acolhimento médico ou psicológico. Mas foi sua condição física que impôs os maiores desafios. Diagnosticada com paralisia cerebral hemiplégica, condição que afeta o movimento de todo o lado esquerdo do corpo, ela cresceu ouvindo que não poderia fazer muitas coisas — inclusive, que nunca poderia ser médica.
Mas a limitação virou combustível. “A deficiência me desafia todos os dias, mas também me impulsiona. Eu sabia que poderia chegar onde quisesse — mesmo que as pessoas não acreditassem”, conta. Rithiele só voltou a estudar na vida adulta, concluindo o ensino médio pelo EJA. Em 2018, ingressou no curso de odontologia da UnB, mas foi em 2019 que alcançou o verdadeiro objetivo: conquistar uma das primeiras vagas destinadas a pessoas com deficiência no curso de medicina da universidade.
A trajetória foi árdua. Durante a pandemia, ficou quase um ano sem ver a família. A mãe, que vendia marmitas, mal conseguia pagar as contas. Para sobreviver, Rithiele vendia doces e cosméticos, equilibrando uma rotina pesada de aulas, estágios e trabalho. Dentro da universidade, lidou com olhares de desconfiança e a constante sensação de precisar provar que era capaz. “A universidade ainda é excludente. Mas eu resisti”, resume.
No entanto, ela não se limitou a frequentar aulas. Participou de projetos sociais como o “Consultório na Rua”, levando atendimento médico a populações vulneráveis. Nessas ações, entendeu que a medicina que queria praticar era aquela voltada para quem mais precisa. Rithiele sonha em se especializar em medicina da família e comunidade e trabalhar em periferias como a que cresceu. “Quero devolver o cuidado que um dia me faltou.”
A colação de grau está marcada para agosto. O vídeo em que ela entrega o convite de formatura à mãe foi um dos momentos mais marcantes da sua vida — e de quem assistiu. O abraço apertado entre as duas se tornou símbolo da luta de tantas outras mulheres negras, periféricas e com deficiência que enfrentam a invisibilidade todos os dias.
Hoje, Rithiele é uma das vozes que reforçam a importância das cotas e da inclusão real nas universidades. “Essa história não termina com a formatura. Agora começa meu compromisso com quem, como eu, já foi desacreditado”, diz a futura médica — que, com ou sem jaleco, já salvou muita gente com o exemplo.
Assista o vídeo emocionante de Rithiele entregando o convite para os pais.